Neste artigo, que é a segunda parte explicando os efeitos especiais da animação da Netflix, “Pinóquio” de Guillermo del Toro, vamos ver como foram feitos Os Cenários, O Processo de Animação e Filmagem e os Efeitos Visuais Digitais. Se você ainda não viu o primeiro artigo, clique aqui.
Os Cenários
Os artistas conceituais basearam em obras reais da Itália para planejarem a aparência dos cenários desta animação. Além disso, tinham muitos detalhes como um cenário de um filme com atores reais.
Crédito: Netflix©
Assim, por exemplo, a casa do personagem Gepeto tinha que ter manchas de carvão nas paredes pois era a principal fonte de energia na época em que se passa a história.
A seguir, veja a evolução da criação de um cenário, desde o Design Conceitual (Conceptual Design), a criação do cenário e, por último, a composição final da cena:
Conceptual Design – Créditos: Trevor Hogg/Netflix©
Construção do Cenário – Créditos: Trevor Hogg/Netflix©
Cena Pronta – Créditos: Trevor Hogg/Netflix©
Nesse sentido, como eram cenários para animação quadro a quadro, os artistas projetaram esses cenários desmontáveis para que os animadores tivessem acesso para animar os bonecos.
Crédito: Netflix©
Veja a seguir um vídeo mostrando o processo de construção do cenário da Igreja desta animação da Netflix e sua característica desmontável para dar acesso aos animadores animarem os bonecos:
O Processo de Animação e Filmagem
Os animadores da empresa ShadowMachine e animadores mexicanos foram responsáveis pela Animação Quadro a Quadro. Foi uma ponte entre Portland (EUA) e Guadalajara (México).
O diretor del Toro apoia a animação mexicana desde a década de 80 e ele queria animadores mexicanos animando o Pinóquio e o Grilo para demonstrar toda qualidade da animação mexicana.
Assim, um ponto interessante é que del Toro dirigiu os animadores como se fossem atores e não como animadores.
Assim, del Toro orientou os animadores a usarem o conceito de “movimentos desnecessários” ou “erros” nos movimentos dos personagens para que a animação ficasse mais real.
Além disso, os animadores também acrescentaram movimentos mais sutis que representavam os sentimentos do personagem e o que ele estava pensando.
Por isso, o Pinóquio do del Toro é considerado uma das animações mais realistas já feitas.
Os animadores usaram suportes (rigs, em inglês) que tinham a função de sustentar os personagens em pé e suportar o peso deles quando tinha que fazer cenas de corrida.
Alguns rigs tinham movimentos precisos através de cremalheiras acionadas por botões giratórios e outros podiam ser articulados e fortes para permitir movimentos dos bonecos.
Créditos: Mackinnon-Saunders/Netflix©
Animação Especial
Os efeitos como gotas de chuva na janela da casa do Gepeto, por exemplo, foram feitos com glicerina e eram animados manualmente.
Já nas roupas, os tecidos dos casacos tinham arames de alumínio internos podendo assim ficar na posição desejada.
Em muitas cenas eles usaram Motion Control Cameras ou Câmeras com Controle de Movimento por computador para que elas pudessem acompanhar os personagens no cenário elaborado e assim ter uma cena mais dinâmica.
Além das Câmeras com Controle de Movimento, foram também usados cenários controlados por computador para fazer movimentos giratórios ou para fazer o chão passar por debaixo dos pés do Pinóquio.
Outras vezes, eles prendiam os personagens junto à câmera e os moviam juntos (por exemplo, na cena do balanço do personagem Carlo).
Quando o macaco Spazzatura carregava uma tocha, a luz do fogo foi feita colocando LEDs dentro da tocha (para permitir projetar luz do fogo nos bonecos e cenário), e depois foi adicionado fogo digital.
Tocha com LEDs e Tocha com Fogo Digital – Créditos: Trevor Hogg/Netflix©
A cena a seguir de 24 segundos de duração animada pelo animador americano Justin Rasch e que fez uso de Câmeras com Controle de Movimento demorou quase 2 meses para ser feita.
Um fato muito legal é que o Brasil esteve presente na produção desta animação. O animador mineiro de Uberaba, Thiago Calçado, fez a animação da personagem Morte:
Ver essa foto no Instagram
Efeitos Visuais Digitais
De forma geral, os efeitos digitais melhoraram a fotografia da animação stop motion, com a extensão de ambientes (sets), retirada dos suportes de animação (rigs),com incorporação de elementos climáticos (céu, neve, chuva), fogo, explosões e oceano.
De certa maneira, os efeitos visuais digitais tinham que ser invisíveis, como se estivessem presentes no momento da filmagem dos bonecos no set.
Ao todo, foram feitas 1374 cenas de efeitos visuais criadas pela Moving Picture Company (MPC), MR. X (agora parte da MPC), ShadowMachine e BOT VFX.
De acordo com o supervisor Efeitos Visuais da MPC, Aaron Weintraub, foram vários tipos de efeitos visuais digitais usados e a MPC ficou responsável de fazer as simulações de efeitos tais como água, explosão, fogo, neve, chuva e também a extensão de ambientes.
Veja a seguir como a MPC lidou com diversos tipos de efeitos visuais digitais.
Fogo e Explosão
O fogo apesar de ter sido criado digitalmente foi baseado no visual de testes práticos, conduzidos por Brian Henson em Portland na ShadowMachine.
Crédito: Netflix©
Brian fez testes práticos em animação quadro a quadro ou stop motion em que ele utilizou pedaços de gaze envolvendo arame de alumínio
Então ele fez as chamas, posicionando os pedaços de gaze na posição desejada através do arame, tudo claro, iluminado de forma a parecer fogo.
A equipe da MPC então usou estes testes práticos como referência. Assim eles fizeram o fogo não usando técnicas de simulação digital de fogo mas sim usando Simulação de Tecido (Cloth Simulation).
Para as explosões o processo foi similar. Como em stop motion as explosões e nuvens são feitas usando algodão, a MPC usou o mesmo conceito e fez explosões e nuvens como se fossem feitos de tufos de algodão.
Créditos: MPC/Netflix©
Chuva
Para fazer chuva digital nesta animação da Netflix, a MPC também se baseou no visual prático de stop motion que os animadores usaram.
Crédito: Netflix©
Assim, os artistas digitais fizeram as gotas de chuva digitais com base nas gotas de glicerina que os animadores de Stop Motion fizeram como, por exemplo, na janela da casa do Gepeto.
Além disso, a MPC também retirou o Motion Blur (desfoque de movimento) das gotas para que o visual parece mais com stop motion.
Oceano
O ponto mais importante é o visual manual de tudo e a água também tinha que ser fiel a esse visual da animação e ter essa aparência artesanal..
Para simular a superfície do oceano, a MPC se inspirou num curta de 2018 chamado “Two Balloons”
Oceano de “Two Balloons” – Créditos: Javan Ivey/Netflix©
Nesse curta, para fazer o oceano, a equipe fez uma superfície de papel celofane sobre uma espécie de folha de borracha com hastes abaixo desta superfície que tinham movimento controlado, levantando e abaixando. Assim, criava-se o efeito das ondulações do oceano.
Dessa forma, baseado nesse visual do oceano de “Two Balloons”, a MPC fez simulação de água para usando o software Houdini através do solver FLIP.
Crédito: Netflix©
Nesta simulação da superfície do oceano, a MPC fez um tratamento de pós-processamento para remover quaisquer movimentos laterais da superfície da água.
A superfície do oceano literalmente tinha uma textura impressa e para isso eles projetaram Displacement Maps e texturas direto sobre a superfície do oceano.
Crédito: Netflix©
Assim, essas texturas estavam fixas e a superfície do oceano apenas ondulava para cima e para baixo e a textura realmente não movia.
Para as gotículas de espuma da água e bolhas debaixo d’água, eles as fizeram como se fossem contas de cristal.
Crédito: Netflix©
Céu
Todos os céus vistos nessa animação da Netflix foram digitais, supervisionados por Danny Devereaux da MPC.
O interessante é que a MPC seguiu os conceitos visuais do departamento de arte, incorporando inclusive marcas de pinceladas.
Crédito: Netflix©
Cenários Digitais
A MPC fez extensão de cenários físicos que tinham construção parcial mas também cenários totalmente digitais, como o interior do Cação (peixe gigante) e o Limbo.
De todos os cenários, o Limbo foi o maior. Na verdade, o Limbo não era para ser digital.
Créditos: MPC/Netflix©
Na ideia original, o cenário era para ter prateleiras de acrílico com centenas de ampulhetas.
No entanto, com a chegada da Covid-19 houve uma necessidade muito grande de acrílico para se fazer as proteções de acrílico de balcões de atendimento e com isso houve falta deste material no mercado. Dessa forma, eles optaram pelo cenário digital.
Além disso, na cena no interior do Cação, só existiam de verdade os bonecos, a miniatura do navio e metade do farol.
Crédito: Netflix©
Dublês Digitais e Multidão
A MPC usou Crowd Simulation ou Simulação de Multidão em cenas como a do treinamento dos jovens fascistas para colocar personagens ao fundo.
Crédito: Netflix©
Eles escanearam digitalmente alguns dos bonecos de figurantes que a equipe de construção de bonecos fez e então realizaram mesclagem de cabeças, mãos, roupas e assim criaram um elenco de personagens digitais.
Eles não usaram dublês digitais para os personagens principais na atuação, apenas para fazer interações deles com água, neve e outras superfícies em que era preciso para facilitar colisões e gerar reflexos.
Créditos: MPC/Netflix©
Veja o vídeo de alguns efeitos digitais da MPC:
Para Saber Mais
Se você quiser ver mais informações sobre a produção dessa animação, na Netflix tem um especial chamado “Pinóquio por Guillermo Del Toro: Cinema feito à Mão” que é excelente e mostra vários detalhes da produção.
Além disso, o vídeo a seguir tem mais de 28 minutos de duração e explica muitos detalhes desta incrível animação da Netflix: