“A Baleia” é um filme de 2022 dirigido por Darren Aronofsky e com Brendan Fraser no papel principal.
No filme, Brendan Fraser é Charlie, um professor de inglês recluso com 300 kgs, que ensina os alunos virtualmente mas com sua webcam desligada ao mesmo tempo em que tenta salvar seu relacionamento com uma filha distante.
O filme ganhou dois prêmios no Oscar 2023: Melhor Ator e Melhor Cabelo e Maquiagem. O prêmio de melhor ator foi para Brendan Fraser e o de Melhor Cabelo e Maquiagem foi para Adrien Morot juntamente com Judy Chin e Annemarie Bradley.
Judy Chin, Adrien Morot e Annemarie Bradley recebem o Oscar de 2023
Neste artigo vamos conhecer um pouco mais sobre Adrien Morot e como ele e sua equipe criaram uma das maquiagens de efeitos especiais mais inovadoras de 2022.
Quem é Adrien Morot?
Adrien Morot é um maquiador canadense nascido em 1970 em Montreal.
Ele já foi nomeado ao Oscar anteriormente pelo trabalho em “A Minha Versão do Amor” e também é um colaborador frequente do diretor de “A Baleia”, Darren Aronofsky, fazendo efeitos de maquiagem para os filmes “Mãe!”, “Noé” e “Fonte da Vida”.
Além disso, Adrien Morot é responsável pelos efeitos animatrônicos do filme de horror “M3GAN” lançado em 2022.
Mas antes se tornar o artista de maquiagem bem-sucedido que é atualmente, Morot desde os 5 anos de idade mostrou vários interesses artísticos.
Inspirado por filmes de monstros, ele fazia desenhos e máscaras usando plasticina, isopor e vaselina e aos 12 anos já fazia filmes caseiros.
O jovem Adrien Morot fazendo suas criações. Crédito:Adrien Morot
Inicialmente ele tinha vontade de ser dublê para filmes mas após ler um artigo sobre o filme “O Enigma do Outro Mundo” na revista Fangoria, ele mudou de ideia e decidiu ser um artista de efeitos especiais de maquiagem.
Depois de mostrar seu portfólio para vários artistas de renome dos efeitos especiais de maquiagem, como Tom Savini, ele rapidamente conseguiu seis ofertas de empregos.
Desde então tem realizado trabalhos cada vez mais incríveis.
Adrien Morot no filme “Meu Namorado é um Zumbi”. Crédito:Adrien Morot
A produção do filme ‘A Baleia’
A transformação do ator Brendan Fraser em “A Baleia” foi um dos efeitos especiais mais comentados de 2022.
Para interpretar o obeso mórbido, Charlie, Fraser precisou ganhar algum peso para o papel, mas isso não seria suficiente.
Brendan Fraser. Crédito:A24
Para isso, o diretor Darren Aronofsky contou com o designer de maquiagem Adrien Morot para transformar o ator no professor de 300 kgs.
O Conceito da Maquiagem
Para planejar como seria a maquiagem de obeso para o ator, Morot montou um banco de fotos de pessoas obesas através de uma pesquisa na internet.
Além disso, ele verificou o trabalho de outros maquiadores para outros filmes e percebeu que, na maioria das vezes, esse tipo de maquiagem era feito em comédias (como em “Professor Aloprado” e “O Amor é Cego”) ou em filmes de ficção científica e terror.
O diretor do filme queria algo que fosse diferente de tudo que já havia sido visto em filmes anteriores. Assim, a pedido de Aronofsky, Morot tentou uma abordagem diferente: tratar o assunto com empatia, cuidado e fidelidade aos detalhes.
Assim, para este filme, Morot estava determinado a criar a melhor e mais realista prótese de obeso já filmada.
Do Desafio à Inovação
Para fazer os efeitos de maquiagem, o diretor Aronofsky inicialmente deu a Morot cinco semanas para concluir seu trabalho, ou seja, menos da metade do tempo normalmente necessário para uma transformação como essa.
Antes de ler o roteiro, Adrien Morot pensou que poderia fazer uso de truques que todos artistas de maquiagem do mundo usam como: mangas compridas, enchimentos comuns, etc.
Mas depois de ler o roteiro ele percebeu que esses truques não dariam certo, pois o personagem principal do filme estava em basicamente todas as cenas de um drama intenso.
Além disso, Morot percebeu que o tempo não seria suficiente e então Aronofsky acabou cedendo e ampliou o prazo para 12 semanas.
Um outro desafio importante que Morot enfrentou foi porque a produção do filme se iniciou durante a Pandemia de Covid-19. Isso de certa forma dificultaria pois eles não teriam acesso ao ator Brendan Fraser como normalmente teríam por causa da pandemia.
Geralmente para uma maquiagem de obeso, os artistas de maquiagem sempre começam fazendo um molde do ator, o que significa colocar alginato (material de moldagem corporal) na cabeça do ator e em seguida fazer uma cópia em gesso da cabeça e do corpo do ator. Então plastilina é adicionada à face de gesso para esculpir as próteses e um segundo molde é criado. A diferença entre os dois se torna o molde para próteses de silicone.
Dessa forma, como Morot não tinha acesso físico a Fraser com antecedência para criar moldes de seu rosto e corpo, prática comum ao criar próteses nessa escala, ele então decidiu fazer digitalmente.
Para conseguir o molde do ator que estava em Nova York, um de seus colegas foi até a casa de Brendan Fraser no auge do inverno e o escaneou na garagem do ator usando um iPad com sensor LiDAR.
Mas o que é LiDAR? É uma tecnologia que usa luz de LASER para medir distâncias.
Aparelhos como iPhone 12 Pro e iPad Pro 2020 possuem sensor LiDAR e usando aplicativos de escaneamento é possível escanear objetos, pessoas e ambientes, podendo assim criar modelos 3D.
Em seguida, o modelo 3D criado no IPad foi enviado para Morot que o importou no programa de modelagem digital Zbrush, onde fez uma “limpeza” e aprimoramento.
Adrien Morot esculpindo prótese facial no programa ZBrush. Crédito:Adrien Morot
Morot juntamente com o artista Michel Bougie esculpiram as próteses para cobrir o ator da cabeça aos pés da mesma forma que faríam com massa de modelar (plastilina).
Michel Bougie esculpindo prótese da perna no programa ZBrush. Crédito:Adrien Morot
Assim, ao invés de usar plastilina para esculpir as próteses da maquiagem, eles as fizeram no computador sobre um modelo 3D de Brendan Fraser feito na garagem do ator em Nova York e associando a impressão 3D, Morot obteve resultados surpreendentes. Incrível, não é?
Modelo 3D de Brendan Fraser com e sem prótese. Crédito:Adrien Morot
Adrien Morot já tinha experimentado essas tecnologias quando ainda estava trabalhando em seu estúdio em Montreal antes da pandemia de Covid-19.
Mas para o filme A Baleia, ele usou escultura digital e impressão 3D numa escala nunca antes vista no meio dos efeitos de maquiagem.
Processo de Construção de Próteses no Computador
Todas as próteses faciais e corporais foram feitas no computador, da mesma forma que se faz fisicamente. No entanto, isso deu muita liberdade para Morot pois ele poderia modificá-las rapidamente conforme o diretor solicitava os ajustes.
Não foi um processo fácil, pois Morot ainda não tinha encontrado pessoalmente com o ator Brendan Fraser. Assim, Morot “encontrava” com o ator apenas através de mensagens de texto ou do programa de teleconferência Zoom. Assim por exemplo, ele pedia para Brendan tirar fotos com réguas sobre a testa para garantir que a escala da prótese fosse perfeita.
Uma vez que as próteses foram esculpidas no computador e eles já tínham o queriam para o personagem Charlie, eles dividiram as esculturas em grandes impressoras 3D de resina UV (ultravioleta) de alta definição e imprimiram todo o corpo.
Assim, positivos das partes do corpo digital com e sem as próteses foram impressos em 3D usando resina UV.
Modelo 3D de Brendan Fraser com e sem prótese impressos em 3D em resina. Crédito:Adrien Morot
Moldes foram feitos dos positivos com as próteses, obtendo assim um molde negativo das próteses.
Molde da prótese facial de Brendan Fraser. Crédito:Adrien Morot
Nina Anton faz reparos na impressão 3D de prótese do braço. Crédito:Adrien Morot
Stephan Ashdow fazendo molde da impressão 3D de prótese do braço. Crédito:Adrien Morot
Para fazer as próteses faciais optou-se por silicone catalizado a base de platina por ser mais resistente e mais translúcido tendo características mais próximas da pele humana.
Assim, dentro desse molde negativo foi colocado o positivo sem próteses e em seguida injetaram o silicone, preenchendo o espaço entre os moldes negativos das esculturas e os positivos, o que rendeu as próteses de aparência muito realista.
Prótese facial de silicone. Crédito:Adrien Morot
Segundo Morot, esculpir próteses no computador trouxe vantagens e obstáculos ao mesmo tempo.
Como vantagem, é que permitiu obter detalhes que são quase impossíveis de se conseguir com meios de escultura mais tradicionais. No mundo digital, Morot pôde ampliar uma região e dividir a imagem em dois monitores grandes e acrescentar texturas com o máximo de detalhes.
Um obstáculo para escultura e impressão 3D é que as bordas das próteses precisam ser tão finas que se misturem perfeitamente ao rosto do ator, algo que por muito tempo era simplesmente impossível por meio desta impressão.
Morot superou as dificuldades combinando a forma de como as próteses são esculpidas no computador, como os moldes são feitos e os materiais usados. A combinação desses elementos fez com que eles conseguissem obter todas as bordas superfinas.
Construção do traje de obeso
Apesar de Morot ter optado por colar próteses maciças de silicone na face e pescoço de Brendan Fraser, ele optou por uma abordagem diferente para fazer os braços, pernas e tronco (peito e barriga).
Os testes iniciais mostraram que peças maciças destas partes teriam um peso enorme. Assim optou-se por fazer uma pele de silicone mais fina com enchimentos para os braços e pernas e uma pele de espuma de látex mais fina com enchimentos para fazer o tronco.
Michel Bougie pintando próteses de silicone das pernas. Crédito:Adrien Morot
Tanto a pele de silicone como de espuma de látex tem pelos que foram colocados fio a fio e depois raspados ou aparados dependendo da região do corpo para dar a aparência desejada.
Inserção de fio a fio na prótese de silicone do braço. Crédito:Adrien Morot
Os artistas Xavier Gravel-Charbonneau, Michelle Brûlé e Guilaine Sant, sob a supervisão de Kathy Tse, cuidaram de todas as funções de confecção de perucas e inserção de fios de pelos.
Confeccionando peruca. Crédito:Adrien Morot
Abaixo da pele, estavam os enchimentos que simulariam a “gordura” do personagem.
Enchimentos simulando gordura do peito e barriga: Crédito:Adrien Morot
O material que preenchia os enchimentos foram feitos com uma mistura “Orbeez”, água e glicerina, que simulariam o peso e movimento de gordura corporal.
“Orbeez” são uma espécie de miçangas absorventes que, quando colocadas na água, se transformam em bolinhas gelatinosas. Elas são feitas de um polímero que absorve muita quantidade de água chamado de Poliacrilamida.
Orbeez antes de absorver água à esquerda e depois à direita
As próteses de braços e mãos então eram como se fossem “luvas compridas” e das pernas eram como se fosse “botas compridas” que iam até o meio da coxa. Além disso, como no filme a saúde do personagem de Charlie piora, Morot e sua equipe fizeram diferentes conjuntos de braços e pernas mostrando uma graduação em sua cor de pele e assim mostrar o declínio de sua saúde.
Próteses de silicone com enchimento dos braços e pernas: Crédito:Adrien Morot
Prótese de espuma de látex com enchimento do tronco (peito e barriga): Crédito:Adrien Morot
No tronco, abaixo dos enchimentos estava um arnês que é um conjunto de tiras resistentes unidas entre si, que envolvem o tronco e a cintura da pessoa, parecido com os de paraquedismo. Esse arnês serve para distribuir uniformemente o peso das próteses pelo corpo de Fraser.
Colocando o arnês no corpo do ator. Crédito:Adrien Morot
Os enchimentos eram uma espécie de “bolsa” cheia da mistura de Orbeez com água e glicerina, com várias camadas e presas nesse arnês no tronco.
E abaixo do arnês, estava um colete de resfriamento chamado de “cool suit” (“traje fresco” em tradução livre) que é muito usado por pilotos de corrida.
Xavier Gravel-Charbonneau faz ajustes no Colete de Resfriamento. Crédito:Adrien Morot
Esse colete tem tubos de vinil que se entrecruzam e em que circulam água gelada bombeada pela equipe. Isso ajudou a resfriar o corpo de Brendan, uma vez que o traje de obeso dificultava a transpiração do ator e assim aumentava a sua temperatura corporal.
A equipe colocou os reservatórios de água do traje em mesinhas laterais ocas de cada lado do sofá onde o personagem principal passa a maior parte do tempo. Se esse sistema de resfriamento fosse desligado o ator começava a transpirar muito dentro sete minutos, o que comprometeria toda a maquiagem.”
O traje de obeso de Fraser pesava mais de 90 quilos e tinha mais de 60 centímetros de espessura em algumas seções. Cada braço tinha 11 kgs e cada perna 18 kgs. Todo esse peso ajudou Brendan Fraser a encontrar o personagem e a perceber o quão fortes as pessoas que vivem com essa condição devem ser.
Aplicação e Tempo de Aplicação da maquiagem
Todas as manhãs, Adrien Morot, Kathy Tse e Chris Gallaher se encontrávam com Brendan Fraser no estúdio e passávam as próximas horas aplicando as próteses na face em camadas.
Annemarie Bradley chegaria algumas horas depois de terem começado a maquiagem e colocaria a peruca e pentearia o cabelo.
Shane Shisheboran ajudaria a vestir Brendan e cuidar dele no set.
Precisava de cinco pessoas para colocar as próteses de enchimento em Fraser dos pés até o tronco todos os dias em que ele usava o traje completo.
No início eles gastavam cerca de 7 horas de maquiagem e colocação do traje de obeso.
Depois foi reduzido para 4 horas. Após algumas semanas a equipe reduziu todo o processo, incluindo rosto e cabelo, para cerca de 3 horas e meia, sendo duas horas e 45 minutos para as próteses faciais e cabelo, mais cerca de 45 minutos para vesti-lo com as próteses corporais.
Veja o vídeo abaixo que mostra a aplicação das próteses faciais, peruca e traje de obeso:
Remoção da maquiagem
No final do dia, as próteses do corpo de Fraser eram removidas primeiro, seguido pelas próteses do rosto e depois pela peruca.
Segundo Morot, as próteses faciais já retiradas eram descartadas e um novo conjunto as substituiria no dia seguinte. A etapa final era consertar as próteses corporais e preparar tudo para a manhã seguinte, o que poderia levar até duas horas.
Desafios para a equipe e o ator
A filmagem durou cerca de 45 dias, na parte do tempo dentro de um apartamento.
Algumas adaptações tiveram que ser feitas para facilitar Brendan fazer coisas rotineiras como comer e ir ao banheiro.
Uma prótese de braço era destacável e permitia que Fraser se alimentasse na hora do almoço.
Para fazer suas necessidades fisiológicas, o traje tinha uma aba que podia ser aberta permitindo assim o ator ir ao banheiro.
Mas mesmo assim não fácil. Caso Fraser precisasse usar o banheiro, ele tinha que avisar a equipe com 45 minutos de antecedência.
Assim, informariam o primeiro assistente de direção para que as próximas tomadas do filme pudessem ser planejadas sem ele e a equipe de Morot precisava levá-lo para um quarto, tirar os braços, abrir os fechos de baixo, colocá-lo de volta na cadeira de rodas e levá-lo ao banheiro. Foi uma operação que precisava de quatro pessoas.
Maquiagem do futuro
Durante o processo de planejamento e construção da maquiagem do personagem, Morot percebeu que muitos colegas de profissão estavam curiosos sobre o que ele estava fazendo e assim ele percebeu que quase ninguém tinha feito algo parecido.
Quando Morot começou a fazer testes internos de construção de próteses no computador e impressão 3D há cinco ou seis anos, ele obteve resultados surpreendentemente bons e percebeu que esse processo tinha um potencial quase infinito.
O filme “A Baleia” iniciou uma nova era da maquiagem de efeitos especiais e mudará para sempre a maneira como as próteses são feitas.
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